Pesquisa do Patrimônio arqueológico e imaterial no município de Dom Inocêncio – Piauí

A equipe de Arqueologia da Geo Soluções Ambientais realizou pesquisa arqueológica no município de Dom Inocêncio, no estado do Piauí. Essas atividades fazem parte do Licenciamento Ambiental do Complexo Dom Inocêncio V, que está projetada numa área de 2.384,58 hectares, compreendida em 19 propriedades rurais ao longo ao longo da Serra do Bonito, a qual se localiza à Nordeste da cidade de Dom Inocêncio/PI. Ressalta-se que a área útil do complexo eólico será de 314,34 hectares.

O complexo eólico será dividido em 04 parques eólicos denominados Parque Eólicos Ventos de São Hugo de números 01 a 04, com potências médias individuais de 60,5 MW, perfazendo potência total instalada de 242,0 MW com um total de 44 aerogeradores.

Licenciamento Ambiental

Os estudos necessários para avaliação de impactos ao Patrimônio Arqueológico foram definidos pela Superintendência Estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Piauí, de acordo com os procedimentos e critérios previstos na Instrução Normativa n°001 de 25 de março de 2015. O Termo de Referência Específico do Complexo Dom Inocêncio V foi emitido com o enquadramento de nível IV em relação ao Patrimônio Arqueológico, em função de sua tipologia (anexo II da IN IPHAN n°01/2015) e caracterização (anexo I da IN IPHAN n°01/2015). Em relação ao Patrimônio Imaterial foi solicitado um estudo sobre o impacto do empreendimento sobre os bens acautelados na Área de Influência Direta, como afirmado anteriormente: a Roda e o Ofício dos Mestres de Capoeira, a Produção Tradicional e as Práticas Socioculturais associadas à Cajuína do Piauí, o Ofício das Baianas de Acarajé, e a Literatura de Cordel.

Patrimônio Arqueológico

Os bens de natureza material de valor arqueológico são definidos e protegidos pela Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961, sendo considerados bens patrimoniais da união. Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras.

Você sabe o que é arqueologia?

É a ciência que estuda o passado humano através dos artefatos deixados por eles. A  Arqueologia possui várias áreas de pesquisa, sendo que todas elas têm como foco investigar o passado humano através dos bens culturais específicos.

Sítios Arqueológicos do Município de Dom Inocêncio

O município de Dom Inocêncio, localizado na microrregião de São Raimundo Nonato e faz limite com os municípios de São João do Piauí, João Costa, Capitão Gervásio de Oliveira e Lagoa do Barro do Piauí ao norte, ao sul com o estado da Bahia, e a oeste com Coronel José Dias, possui trinta e seis (36) sítios arqueológicos cadastrados no banco de dados do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão – SICG/IPHAN do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

No mapa abaixos é apresentado a localização dos sítios arqueológicos georreferenciados no município de Dom Inocêncio, no estado do Piauí.

Com base nas informações disponibilizadas no SICG/IPHAN, os sítios cadastrados em Dom Inocêncio são em sua maioria do tipo lítico associado a lajedos, solos arenosos com cascalheira ou solos litólicos. Os sítios cerâmicos são menos recorrentes e geralmente são relacionados ao período de ocupação da população sertaneja. Já os sítios de Arte Rupestre, em especial os sítios Riacho Santana e Toca do Riacho da Gameleirinha, ocorrem nas margens de cursos d’água. Em geral, os sítios estão localizados em áreas planas baixas (pediplanos) ou nas porções de média a baixa vertente. Nos topos planos foram cadastrados dois sítios, um de natureza histórica e outro lítico.

Pesquisas Arqueológicas na área de influência direta do empreendimento

As atividades foram realizadas pela equipe técnica da Geo Soluções Ambientais Ltda. no período de 23 de maio a 2 de junho de 2022. A identificação do potencial de impacto foi realizada com base no levantamento de informações orais e nas vistorias dos compartimentos ambientais. Os aspectos observados foram ocorrência de artefatos e ecofatos, bem como o contexto de implantação na paisagem.

Em campo, o levantamento de informações orais foi realizado por meio de abordagem direta e entrevistas semiestruturadas. A escolha dos entrevistados ocorreu primeiramente de forma aleatória. Em seguida, a escolha ocorreu de acordo com as sugestões dos primeiros entrevistados, informa que ao todo foram realizadas 12 entrevistas nas localidades Sítio do Badu, Baixão do Agno, Caldeirãozinho, Sítios Velhos, Baixão do Licor, Malhada da Pontinha, Rosilho e Poço do Cachorro. A abordagem desses temas ocorreu a partir da apresentação da equipe e dos objetivos da pesquisa. Logo em seguida foi entregue material gráfico informativo com o tema “Patrimônio Arqueológico do Município de Dom Inocêncio” (ver Figura abaixo)

A identificação dos compartimentos ambientais foi realizada por meio trajetos oportunísticos em trechos de acesso moderado ou difícil, com visibilidade média ou baixa, por meio do aproveitamento de veredas, estradas, cercas, caminhos e trilhas pré-existentes, com o objetivo de conhecer os compartimentos caracterizados por vegetação de distribuição densa, possíveis topos planos, e, salvaguardando a segurança da equipe, trechos que apresentassem barreiras naturais contornáveis por acessos externos.

Na etapa de campo houve também o levantamento de setores coincidentes com canais fluviais, áreas de alagamento, valas de escoamento e reservatórios naturais. Nesses locais foi priorizada a observação das margens e do contexto paisagístico. Foram observados também os litotipos predominantes e a existência possíveis locais de captação de recursos como matéria-prima para fabricação de artefatos.

A ADA apresenta cobertura vegetal variada, que por vezes é favorável à prospecção de superfície quando coincidente com indivíduos de porte mais alto e distribuição menos densa. Contudo, esses setores estão quase sempre relacionados às encostas. No topo, há predomínio de cobertura vegetal arbustiva e indivíduos de porte médio, porém sempre relacionados ao solo formado por afloramento rochoso. No pediplano, observa-se maior impacto de atividades antrópicas recentes, com a variação para vegetação secundária em alguns pontos, assim como observa-se áreas de cultivos em pousio e ativas.

A identificação de indicadores arqueológicos foi realizada com base no levantamento de informações orais e nas vistorias dos compartimentos ambientais. Os aspectos observados foram ocorrência de artefatos e ecofatos, bem como o contexto de implantação na paisagem. O principal resultado obtido correspondeu à identificação de registros rupestres e vestígios líticos nas margens do Rio do Bonito (Ver Figura abaixo);

Os vestígios arqueológicos identificados são pinturas e gravuras localizados nos afloramentos quartzíticos à Nordeste, entre as coordenadas -41,7500410/-8,8031110 e – 41,7503804/-8,8034214, e vestígios líticos localizados à Sudeste do Riacho Bonito, entre as coordenadas -41,7506990/-8,8052610 e -41,7518540/-8,8063090.

As gravuras constituem incisões pouco profundas realizadas por abrasão ou picotagem, com representações de pontos, traços e figuras zoomórficas. Já as pinturas consistem na adição de pigmento avermelhado sobre suporte rochoso liso por técnica de carimbo e traços feitos com pincéis ou com os dedos.

A primeira técnica representando mãos humanas e a segunda, formas geométricas com traços perpendiculares e cruzados entre si. Os vestígios líticos registrados são lascas corticais em silexito, lasca de debitagem em silexito, uma lasca com talão cortical em quartzito com retoques distais, uma lasca sem córtex com talão liso em calcedônia e retoques no bordo esquerdo.

No que concerne o contexto arqueológico, ressalta-se que os registros são compatíveis com as tipologias de sítios cadastrados na região, à exemplo dos sítios Poço do Cachorro e Boqueirão do Retiro. Os dois sítios cadastrados e os vestígios arqueológicos identificados nesta pesquisa estão localizados nas superfícies rebaixadas da região hidrográfica do Rio Piauí, em áreas influenciadas pelo regime de drenagem superficial. Tanto o Riacho do Bonito quanto o Riacho Oiteiro desaguam no Riacho Itaquatiara, contribuinte do Riacho Gameleira, que desagua no Rio Piauí.

Confira um vídeo sobre o levantamento de campo do Relatório de Avaliação de Potencial de Impacto ao Patrimônio Arqueológico do Complexo Eólico Dom Inocêncio V.

Patrimônio Imaterial

O Patrimônio Cultural do Brasil abrange bens de natureza imaterial reconhecidos como formadores da identidade e memória do povo brasileiro. Esses bens se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e lugares. O Registro de bens culturais de natureza imaterial foi instituído pelo  Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000.

Bens Imateriais Registrados no Estado do Piauí

No banco de dados do Iphan constam 49 registros de bens imateriais que se distribuem pelos estados brasileiros e Distrito Federal, dos quais 3 no âmbito nacional, 7 em abrangência regional, 16 em abrangência estadual e 23 no âmbito local. Assim, nos termos dos Artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, do Decreto 3.551/2000 e do Termo de Referência n.º 11/2022/IPHAN-PI, considerando a localização do município de Dom Inocêncio foram definidos os seguintes bens para elaboração do Relatório de Avaliação de Impacto aos Bens Culturais Registrados.

  • Roda de Capoeira — Livro de Registro das Formas de Expressão, 21/10/2008;
  • Ofício dos Mestres de Capoeira — Livro de Registro dos Saberes, 21/10/2008
  • Produção Tradicional e as Práticas Socioculturais associadas à Cajuína do Piauí — Livro de Registro dos Saberes, 15/05/2014;
  • Ofício das Baianas de Acarajé — Livro do Registro dos Saberes, 14/01/2005;
  • Literatura de Cordel — Livro de Registro das Formas de Expressão: 19/09/2018.

Além disso, foram considerados também os bens em processo de registro abaixo:

  • Modo de Fazer Arte Santeira do Piauí — Processo: 01450.014374/2008-32;
  • Matrizes Tradicionais do Forró — Processo: 01450.008052/2011-50;
  • Repente — Processo: 01450.000705/213-14;
  • Saberes e Práticas Culturais das Parteiras Tradicionais do Brasil — Processo:01450.015622/2011-68;
  • Batuques Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Piauí — Processo: 01450.002592/2017-15;
  • Festa do Divino da Comunidade de Marmelada — Processo: 01450.000680/2013-59.
Pesquisas de Avaliação de impacto aos Bens Culturais Registrados na área de influência direta do empreendimento

Para a realização do presente trabalho foram considerados os referenciais teóricos e legais que pautaram as inscrições dos bens nos Livros de Registro definidos no Decreto Nº 3.551/2000. As principais fontes de pesquisa foram os dossiês e pareceres elaborados para instrução dos processos, assim como a produção bibliográfica e audiovisual decorrente do registro.

A pesquisa quantitativa foi realizada por meio do levantamento do banco de dados do Iphan quanto aos processos de registro já encerrados e em andamento. Os sites do Ministério do Turismo, Fundação Palmares e Fundação Nacional do índio foram consultados quanto possíveis informações contextuais sobre a existência de grupos tradicionais na área de estudo, assim com as bases estaduais e municipais. De forma sequencial, foram consultadas páginas na internet e documentos mantidos por organizações não governamentais.

Já a pesquisa qualitativa foi realizada a partir da consulta ao moradores das localidades situadas na AID ou no entorno próximo a partir da aplicação de entrevistas semiestruturadas com a finalidade de coletar informações in loco sobre os bens registrados e/ou práticas culturais que indicassem a existência desses bens na Área de Influência Direta – AID do empreendimento. Na figura abaixo consta a localização dos bens registrados localizados no município de Dom Inocêncio em relação a área do empreendimento.

Portanto, na Área de Influência Indireta – AII, que corresponde aos limites do município de Dom Inocêncio, registram-se formas de expressão e manifestação cultural associadas à identidade do povo inocentino que não estão necessariamente relacionadas aos bens acautelados em âmbito federal. O modo de fazer vasilhames cerâmicos, a rede de Caroá, os bordados da fundação ruralista são bens que não se enquadram aos bens imateriais registrados ou em processo de registro, mas que possuem igual relevância para a cultura do município.

Nos limites municipais foram identificados também a arte e a presença do poeta e escultor João Dias, bem como o bem que é orgulho dos inocentinos, a grande difusão do saber tocar sanfona. Esses bens possuem relação com bens imateriais registrados, mas como pode ser observado, não serão impactados negativamente direta ou indiretamente pela instalação do empreendimento.

No que concerne os bens em processo de registro, informa-se que na área foi identificada na localidade Baixão do Agno a senhora Maria Pereira de Sousa como detentora dos saberes e práticas associados às parteiras tradicionais. Contudo, observa-se que ela não exerce mais a função devido à idade avançada. Além disso, o exercício da sua função não está vinculado à área do empreendimento, uma vez que o seu conhecimento não está vinculado de forma dependente à paisagem e aos recursos naturais.

A Área Diretamente Afetada – ADA, que possui 314,34 hectares, faz parte de 19 propriedades rurais, contudo não há residência. A área é utilizada para a criação extensiva de bovinos e caprinos. Estas atividades não possuem relação especifica com as práticas culturais de bens registrados ou em processo de registro em âmbito nacional, regional, estadual ou local. Portanto, não há previsão de impactos aos bens culturais causados por ações diretas decorrentes da implantação e operação do empreendimento.

SAIBA MAIS!

A realização de pesquisas arqueológicas deve ser autorizada pelo IPHAN a partir de publicação no Diário Oficial da União, na Imprensa Nacional. Para consultar projetos e relatórios de pesquisa arqueológica autorizados pelo IPHAN, basta inserir o número do processo – 01402.000046/2022-82 no campo de pesquisa disponibilizado no Sistema Eletrônico Integrado.

Referências Bibliográficas

SILVA, Ana F. S.;  MELO, Pedro H. S. G. Avaliação de Potencial de Impacto ao Patrimônio Arqueológico da área de instalação do Complexo Eólico Dom Inocêncio V, no município de Dom Inocêncio/PI: relatório técnico. Geo Soluções Ambientais. Fortaleza/Ceará. 2022.

GASPAR, Pedro H. S.G.; SILVA, Ana F. S. Avaliação de Impacto aos Bens Culturais Registrados da área de instalação do Complexo Eólico Dom Inocêncio V, no município de Dom Inocêncio/PI: relatório técnico. Geo Soluções Ambientais. Fortaleza/Ceará. 2022.

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